IT





IT  - algumas observações após assistir o espetáculo.

Autora: Amanda Dias Leite e Júnia Pereira | Diretora: Marina Viana | Elenco: Amanda Dias Leite e Júnia Pereira | Produção: Grupo Dois Pontos | Cenógrafo: Paolo Mandatti | Figurinista: Paolo Mandatti | Iluminador: Geraldo Octaviano | Trilha Adaptada: Marina Viana | E-mail: grupo2pontos@ gmail.com |

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Sai de casa com um almoço leve para resolver os afazeres cotidianos. Foi um péssimo dia em que não consegui resolver quase nada de forma pragmática. Acabei por chegar ao Pátio Savassi em cima da hora de começar o filme Sherlock Holmes. O ingresso para a peça IT, já estava reservado e o tempo era exatamente o suficiente. Já que não conseguia resolver nenhum de meus problemas, preferi sentar numa sala de cinema e não fazer mais nada. Estava com fome e sede, mas não quis me submeter ao processo extorsivo de comprar uma pipoca a preço de ouro. Ao final do filme eu estava duplamente faminto; o estômago vazio, mas agora também a cabeça. Sempre me esqueço de como filmes de ação me deixam assim, com a mente vazia. Mesmo porque o cinema hollywoodiano ultimamente faz com que o imprevisível seja previsível, matando toda chance de produzir pensamentos imaginativos.

Mesmo com a fome duplicada, fui direto para o anfiteatro, com uma leve dor de cabeça me incomodando. 

 “Prezado público, com vocês, o nosso personagem principal, a palavra”. Ninguém disse isso em cena, claro, mas este fenômeno acontecia na minha imaginação que retornou ávida durante o espetáculo.

As atrizes e quem quer que sejam os personagens que elas estavam interpretando vão se diluindo e dando lugar claramente para o texto. Não foi preciso muito tempo de atuação para que isso se tornasse marcante para mim. Não eram elas que estavam em foco, ou suas histórias, ou uma história, nem mesmo havia cronologia ou linearidade em suas palavras. A tópica que se abre em primeiro pano na cena é a palavra. Às vezes de forma literal as atrizes eram as próprias palavras que pronunciavam. A dúvida e a reflexão causada pelo texto é que estava sendo encenado e não algo que estava sendo contado. Neste momento, percebi o quão importante foi o papel do filme, esvaziar-me para receber aquele belo texto.

Imagine-se sendo guiado pelo que é dito e não guiando o que vai dizer. É como perder o controle e a razão. A palavra sendo a geradora da própria idéia que ela concebe enquanto é pensada ou pronunciada. É nesse ponto que o espetáculo transporta o público para um lugar de co-autor do que está acontecendo. Ao ser convidado para ser guiado pelo que era dito, também deixei que minhas novas palavras fossem guiadas e isso fez de mim, participante ativo do pronunciamento.

Por conseqüência a temática recai sobre um assunto que eu admiro. Não sei das referências que a autora buscou, até porque não há nada que seja criado a partir do nada, sempre há referências anteriores contaminando as idéias novas. Já escrevo isso com elementos dados pelo texto e pela filosofia oriental: a impermanência. Onde o passado já não existe e o futuro ainda não chegou. O que sobra é o momento presente. De uma forma muito eficaz e porque não dizer inusitada isso é abordado maravilhosamente em cena. Mas é algo para ser visto ao vivo e não contado aqui. Vá assistir.

Se fixo minha observação no momento presente, me deparo com o seu fim. Porque o momento presente, é presente, quando? Já não é mais e isso me aproxima do conceito de morte. Uma tanatologia contextualizada em cena com muita maestria e de forma divertida a meu ver.
 
Quase pulo da cadeira, quando o texto fala da solidão. Não só porque foi de uma forma muito bacana e contemporânea, mas porque é um tema fantástico na psicologia. Não só a solidão, mas a solidão existencial, ontológica.  Tenho certeza disso, porque as atrizes, personagens, nem o personagem principal, a palavra, não faziam a menor idéia das emoções, medos, angústias e excitação que em mim estavam sendo provocados. Acho que é o primeiro espetáculo que vejo abordar isso de forma tão explícita.

Percebo então que não tenho mais fome. Poderia dizer que estava locupletado de palavras. Achei maravilhoso poder assistir a uma peça teatral e sair cheio de dúvidas, cheio de idéias. Algumas antigas e resgatadas, outras novas e ainda não elaboradas, outras que nem surgiram ainda, outras que se foram.

Achei triste ter de interromper esse processo ao pilotar minha moto, porque retornando ao mundo concreto, não podia deixar-me guiar pelos pensamentos, nem sei onde iria parar andando assim pelas ruas, se fosse o caso. Ri de mim  mesmo ao perceber que a fome voltou e então fui comer algo numa lanchonete capitalista ali perto.

Saio agradecido pelo que ofereceram.

Fabio Teixeira




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