Duplo Etéreo


Algumas observações após assistir o espetáculo “Duplo Etéreo”.

Autor: Sebastião Bicalho | Diretor: Fernando Couto e Ari Nóbrega | Elenco: Verônica Tannure e Rafael Zanon | Produtor: Fernando Couto | Iluminador: Caio Cézar |

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“O Destino pode estar no passado”

Inicialmente já gostei do cenário. Eu gosto muito da proposta do mínimo, quando se trata de temas de abordagem filosófica ou psicológica. Sempre sobra espaço para a imaginação.

Três cadeiras. Achei isso muito marcante porque está na base da família Freudiana, o triângulo pai, mãe e filho. Como são dois irmãos, isso já mostra a exclusão de um deles mesmo que seja de maneira metafórica. Adoro quando Teca derruba as Duas cadeiras e se agarra na última, porque o lugar da mãe e do pai são desmontados, enquanto ela se segura no seu último assento.

O desenho de utilização do espaço à direita ou à esquerda do palco me dá uma sensação de desequilíbrio, pesando alternadamente para cada lado, típico da fluidez da dualidade psíquica.  Tico ocupa mais o lado direito do palco a maior parte do tempo na cama, o lugar dos sonhos, do choro e da solidão. Enquanto Teca fica mais tempo perto das cadeiras, lugar da família, da culpa, onde ela se explica, retrata e mostra para os “imaginários” sua história. Pra mim vale um pouco, mas não definitivamente, como os lugares do Consciente e do Inconsciente.

Uma das características que gostei da Teca é como ela constrói e desconstrói o próprio corpo para mostrar-se como pai. Isso é muito bom, porque ela quase sempre mostra o PAI. Fala como o pai, e sabe cada detalhe de como ele age, se move, fala. Ela é quase o pai personificado. Inclusive na forma que ela trata o irmão. É dura, agressiva, sem paciência. Lembra que PAI é o lugar da LEI. Aquilo que marca o limite, o lugar do Outro e ela ocupa facilmente esse lugar com Tico.

Isso é muito legal, porque ela Odeia o que ela Ama, ou ama o que odeia.

A pedofilia e incesto são panos de fundo, mas pra mim não são a tópica marcante. A tópica marcante para mim é o DESEJO. Quem é o objeto do desejo de quem? O pai que deseja a filha ou a filha que deseja o pai? Manter essa dúvida sem esclarecimento eu achei fantástico no texto.  Ótima duvida: Quem é que seduz e é seduzido nesta historia de desejo. Em alguns poucos momentos Teca se mostra sedutora, e achei isso excelente no que se retrata como papeis assumidos numa unidade familiar. Para ser amada tem de ser desejada. Mas não pode dividir o objeto do desejo com outro, então o despreza. A relação é mostrada a partir do ponto de vista unitário de Teca, e achei muito bacana como eu – público - fui construindo quem eram esses PAI e MÃE durante as cenas. Pai e mãe ocupam diversos lugares, maus e bons. Lembrei-me muito de um conceito psicológico que seria assim: sempre que você fala sobre alguém, eu não sei nada deste alguém, só sei de quem falou. Ou seja, falar da família não me faz entender a família, me faz entender quem está falando. Teca fala o tempo todo é Dela mesma.

Eu não gostei muito quando Tico se diz a voz da consciência. A princípio pensei nele como a voz da Inconsciência.

Então achei a proposta deste espetáculo muito bacana. Adorei o final quando ela tem de decidir entre o remorso e a culpa é isso? Ela apenas coloca as mãos sobre o peito e as luzes se apagam. Não há respostas e o tempo todo eu, público, fico sendo jogado a acreditar em diversas versões da mesma história, não me dando sustentação para entender exatamente qual a verdade. O lugar do não saber, onde fui jogado durante a peça é que fala da verdade em mim explicitada através das sensações que vocês evocaram. Uma sensação de angústia frente ao que é inevitável. O fato futuro já estava desenhado nas escolhas movidas pelo que há de mais profundo. O desejo. Segue um poema indiano que lembrei escrito a 500 a.C.

Você é o que o profundo e predominante desejo é.
O que seu desejo for, assim será seu pensamento.
O que seu pensamento for, assim será sua ação.
O que sua ação for, assim será o seu destino.

-Uppanishads, 500 a.C.-

Assim, o destino pode estar no passado, já que as ações do presente são motivadas pelo desejo. O desejo de Teca pelo pai, ou o contrário.

São apenas umas observações iniciais, mas a obra que se apresenta pode ser absorvida em diversos pontos de vista e abordagens psicológicas.

É um espetáculo que vale a pena ser assistido.


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