13 Reasons Why
“A meio
caminho desta vida
achei-me a
errar por uma selva escura,
longe da boa
vida então perdida”.
(Dante Alighieri)
Após
assistir ao filme “13 reasons why”,
gostaria de escrever umas palavrinhas. Como é um tema bem polêmico, acho que
vou pontuar sobre aspectos
separadamente.
1 – “13 reasos why” é um filme. Achei necessário fazer esta constatação óbvia, para não
tratarmos tudo do caso de Hannah como realidade. É uma obra fictícia, embora a sétima
arte beba nas fontes dos acontecimentos cotidianos. Em se tratando de um filme,
ou melhor dizendo, seriado, quero dizer que achei muito bom. Uma trama bem
construída, com recursos de flashbacks acontecendo quase que simultaneamente
com as cenas do presente, um estilo que gosto muito em filmes. Comecei a
assistir à noite e tive de me
disciplinar em dormir pois queria assistir todos os episódios de uma vez. Claro
que havia uma grande expectativa criada pelos rumores e postagens em redes sociais
sobre o filme, que aumentaram severamente a vontade de ver o que havia de tão
especial nessa obra.
2 – Multiplicidade de temas: Fiquei impressionado como o autor e o
diretor conseguiram colocar num único filme tantas temáticas. A questão do
suicídio é complexa e multifatorial, envolvendo aspectos orgânicos, sociais,
psicológicos e culturais. Não é algo para ser analisado de forma simplista. Na
obra, para cada personagem em suas micro-histórias, possuem temas que circundam o assunto suicídio apresentando:
questões de gênero, uso de drogas, alcoolismo, assédio, estupro, bullying, comunicação
interpessoal, papel das redes sociais, identidade social, relações familiares, fetiches,
porte de armas, vingança, uso da linguagem e interpretação de texto e várias
outras. Não posso afirmar que isso foi proposital do autor, mas com certeza causa
ao público empatia com os personagens do filme, se identificando com uma ou
mais dessas questões levantadas.
3 – Organização Mundial de Saúde – A OMS possui um manual de prevenção
do suicídio para profissionais da mídia, criado para sugerir formar de abordar
o tema do suicídio, tanto para veiculação jornalística de fatos reais como para
obras literárias ou cinematográficas. Esse documento aponta para fatores muito
importantes, dentre eles o papel da mídia em propiciar uma ampla gama de
informações e a grande influência que tem no comportamento geral da sociedade e
que “um dos muitos fatores que podem levar um indivíduo vulnerável a
efetivamente tirar sua vida pode ser a publicidade sobre os suicídios”. Isso é
chamado de efeito Werther, relacionando com a obra de Goethe em 1774 (Os
sofrimentos do Jovem Werther). Após o lançamento do livro na Europa ocorreram uma
série de suicídios inspirados na forma com a qual o herói se mata. (Vou colocar o link pra o documento ao final)
4 – Gatilhos – É uma palavra utilizada para quando um fato, coisa,
ação ou sentimento serve como desencadeador de algum processo mental/emocional/comportamental.
Seguindo as informações do documento da OMS sobre prevenção ao suicídio, esses
gatilhos podem ser disparados por “imitação”, quando a mídia tem um efeito
modelador para próximos suicídios que ocorrem ou como “contágio”, quando a divulgação
de um suicídio facilita a ocorrência de outros suicídios, despertando a ideia
de suicidar-se, tendo ou não similaridade ou ligação com o que foi divulgado.
“O mundo corre sobre as cordas do coração sofredor, compondo a música
da tristeza”. (Tagore, Pássaros errantes, XLIV)
5 – Críticas ao filme e Sugestões da OMS: neste documento há sugestões
de como proceder e de como não proceder na divulgação de um suicídio, tento em
vista os fatores apontados acima. Essa talvez seja a principal fonte de
críticas dos profissionais da área da saúde ao filme, pois ele ultrapassa
praticamente todas as diretivas e ainda não cumpre as orientações de procedimentos
que vou listar abaixo, lembrando que esta lista se refere mais à divulgação
jornalística do que á arte.
Como proceder:
- Trabalhar em conjunto com autoridades de saúde na apresentação dos
fatos.
- Referir-se ao suicídio como suicídio “consumado”, não como suicídio
“bem sucedido”
- Apresentar apenas dados relevante
- Destacar as alternativas ao suicídio
- Fornecer informações sobre números de telefones e endereços de
grupos de apoio e serviços onde se possa obter ajuda
- Mostrar indicadores de risco e sinais de alerta sobre comportamento
suicida.
Como não proceder:
- Não publicar fotografias do falecido ou cartas suicidas.
- Não informar detalhes específicos do método utilizado.
- Não fornecer explicações simplista.
- Não glorificar o suicídio ou fazer sensacionalismo sobre o caso.
- Não usar estereótipos religiosos ou culturais.
- Não atribuir culpas.
Quem assistiu a série vai perceber que varias ou praticamente todas
essas recomendações não foram seguidas na obra em questão. A partir do episódio
9 há advertências escritas sobre as cenas mais fortes, mas penso que deveriam
existir alertas em todos os episódios, primeiro para lembrar o espectador que é
um filme fictício e segundo para aumentar ou dar a chance da pessoa de escolher
não assistir aquilo. Outro ponto criticado é que o filme mostra muito
claramente a forma, maneira e detalhes de como se matar. Levando em
consideração as idéias de imitação/contágio, pode servir de inspiração para
indivíduos que estejam hesitantes em como proceder com o auto-extermínio. Continuando com as criticas levantadas, a
questão da romantização do suicídio, não apontando a seriedade que é este ato e
sim, o colocando como uma solução possível para os problemas de Hannah.
6 – Suicídio na literatura/cinema/música. Este não é o primeiro filme
ou história que aborda o tema do suicídio. Basta lembrar do clássico Romeu e
Julieta, onde dois jovens se suicidam por não poderem vivenciar o amor. Devemos
pensar em como essas obras podem influenciar alguém fragilizado a escolher por
tirar a própria vida. Uma pessoa
“organizada” por assim dizer, pode assistir tudo isso e ficar bem, mas para outros um pouco mais
fragilizados pode ser catastrófico o contato com os sentimentos emergidos desta
experiência.
Fiquei com duas perguntas para reflexão: Porque assistir ou ler tais
obras? Porque produzir obras assim?
7 – Importância do tema. Um ponto positivo apontado nas redes sociais
é a importância de filmes tocarem tão claramente no assunto. É uma forma de
alerta para professores, familiares e para a comunidade. As pessoas dão sinais,
se comunicam, convivem conosco o tempo todo, mas, muitas vezes só percebemos o potencial suicida
quando já consumou o ato. É preciso muita conversa sobre todos esses temas para
oferecer parâmetros de ajuda, acolhimento e busca de soluções possíveis de serem encontradas em conjunto.
8 – Pequeno ensaio dentro da psicologia fenomenológico-existencial. Lembrei
de um artigo escrito pela professora Raquel Neto Alves, publicado no livro
Tédio e Finitude (2010). O artigo chama-se Limites e possibilidades nas
situações de crise (referência ao final).
“A crise pode ser definida como um corte, uma ruptura, uma segmentação,
uma descontinuidade em um modo de existir” (Alves, 2010, p.97). Segundo a
autora, situações de crise constituem um momento delicado que afeta o futuro,
pois solicita um posicionamento que pode oscilar entre abertura para novas
possibilidades ou em restrição de sentidos. Há a possibilidade da pessoa se
reorganizar de forma ampla ou o perigo desta organização se dar em forma de
limitação e estreitamento de experiências.
Essas polaridades para a fenomenologia-existencial são inerentes à
situação do homem (Alves, 2010) e geram tensão e conflito. “A existência humana
se faz na elaboração permanente de crises” (Alves, 2010), ou seja, faz parte do
existir experimentar essas tensões. Dai, retornando à personagem principal, Hannah,
observo como as escolhas, os efeitos dos enfrentamentos e as elaborações que
ela produziu dos conflitos à levaram passo
a passo ao ultimo estado de estreitamento da experiência, que é escolher não
mais existir. Augras (1986) retrata que a concepção de crise como morte, pode
se dar na transcendência, como renascimento de algo novo, uma nova Hannah que
encontraria outros arranjos para viver a partir dos fatos acontecidos ou como uma
Hannah que experimenta a sensação de paralisação, de perda do movimento enfim,
de esvaziamento de sentidos. Quando
ocorre este congelamento, a pessoa em crise pode passar a acreditar que ela é
somente aquilo e não que ela está nesta situação. Isso interrompe o processo
para o futuro, para o vir-a-ser pois a pessoa está congelada numa imagem do
momento crítico atual, não enxerga mais a possibilidade de mudança e
transformação. Sem a possibilidade do
devir ocorre o perigo real de escolha pela morte, pois a morte em si já
ocorreu. Se não há futuro, não há sentido em existir. É preciso coragem para se
deparar com o estranhamento da paralisação. Segundo Alves (2010, p. 108) “a
fala é a luta na tentativa da superação do estranhamento”, pois “a fala reorganiza,
nomeia e dá sentido e significados ao caos”.
9 – Padrão e comunicação: Percebo que há um certo padrão nos
acontecimentos que Hannah vivencia. Ela nunca consegue ou não pode, ou não tem a
chance de comunicar-se. Sempre é impedida pelo contexto de expressar como se sente com alguém. Essa forma de comunicação entre os
personagens do seriado foi um ponto que prestei bastante atenção. Uma
comunicação precária, com frases ditas pela metade, com conteúdos subentendidos
e truncados. Não havia da parte de Hannah e para com ela uma comunicação clara,
principalmente no que tange os sentimentos. Hannah esperou várias vezes que
alguém a ouvisse, tinha essa esperança de salvação, mas também não
comunicava-se em plenitude. As vezes é difícil ao adolescente ou mesmo ao
adulto dizer o que sente, o que pensa. Dizer claramente por exemplo: mãe,
preciso de ajuda, não estou feliz. Creio que essa dificuldade de comunicação
pode ter aprofundado mais ainda Hannah em sua sensação de deslocamento e
solidão.
“Interpretamos o mundo erradamente e dizemos que ele nos engana”.
(Tagore, Pássaros errantes, LXXV)
10 – Papel e responsabilidade da arte. A arte exerce influência na
experiência humana. Ao mesmo tempo que o papel de criar, expor, instigar,
argumentar e as vezes até chocar, também tem a potencialidade e a
responsabilidade pelas transformações, discussões e inspirações que provoca. Uma
obra cinematográfica que mostra violência, agressão, causa certa repercussão.
Outra que mostra comportamentos viciosos ou imorais também. Da mesma forma esta
que aborda o suicídio. Mas, neste caso em especial toca na real possibilidade
de alguém morrer. Não que um filme seja a causa, pois o suicídio tem causas
múltiplas como falamos, mas porque pode ser a gota d´água, a fonte inspiradora
ou que sugere o caminho a seguir. Acho que é possível continuar desenvolvendo
arte e tocando nesses pontos difíceis, nas questões duras de se falar, mas ao
mesmo tempo ter um pouco de cuidado em como fazer isso para que não seja o
fomentador de sofrimento desnecessário.
Como fazer isso?
11 – O conselheiro. Tenho um ponto especial para este personagem. Como
pode uma presença ser tão ausente? É isso quando acontece quando se presta um
serviço, mas o real interesse não é o outro, a experiência do outro. O
conselheiro da escola estava realmente dedicado, muito interessado em ser
conselheiro e não em escutar o que o outro diz, o que o outro sente. Vários
adolescentes foram ao encontro do conselheiro e percebi nele uma barreira de
ego e interesses relacionados à moral, ao bom funcionamento da escola. Creio
que ele mais atrapalha do que ajuda aos alunos daquela escola. Perceba o peso
da palavra “conselheiro”. Hannah o procurou como último refúgio e ele não foi
capaz de acolher, de receber seu sofrimento como real. Não foi capaz de dar
toda sua atenção ao pedido de socorro. Uma palavra diferente, um pouco de
compreensão empática, aceitando a verdade que o outro lhe trazia, não tenho
dúvidas que quebraria a barreira de comunicação de Hannah e ela falaria seus
sofrimentos. Isso pesa para quem carrega o fardo de ser conselheiro, mas serve
para todos, professores, amigos, familiares. Ninguém com quem ela tentou de
comunicar conseguiu estabelecer uma abertura, um espaço em que ela poderia
dizer sem receio sobre si. Há muitas barreiras de medo, de preconceito, de proteção
que impedem uma abertura no falar de si para o outro.
13 – Essas foram só palavras despretensiosas, apenas umas percepções e
não representam a totalidade da verdade sobre o tema, sobre o filme, sobre a
vida.
Luz e paz em nossos corações
Fabio Teixeira
Referências no texto:
Referências no texto:
PREVENÇÃO DO SUICÍDIO: UM MANUAL PARA PROFISSIONAIS DA MÍDIA
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/67604/7/WHO_MNH_MBD_00.2_por.pdf
TÉDIO E FINITUDE: DA FILOSOFIA À PSICOLOGIA, Ana Maria Lopes Calvo de Feijoo. Org., 2010, Editora: Fundação Guimarães Rosa.
O SER DA COMPREENSÃO. Monique Augras, 1986, Editora Vozes.
http://www.cvv.org.br/
LIGUE: 141
Para conhecer mais sobre voluntariado, apoio emocional, prevenção do suicídio, saúde mental e outros temas afins, acesse também:
Movimento Setembro Amarelo, Dia mundial de Prevenção ao Suicídio
Educação Emocional
Associação Brasileira de Psiquiatria
Movimento Conte Comigo, Prevenção a Depressão
Rede Brasiliera de Prevenção ao Suicídio
Informações sobre prevenção do suicídio
Transtornos mentais e dependência química
Centro Voluntariado de São Paulo
Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídios
Sociedade Portuguesa de Suicidologia
Samaritanos de Londres
Befrienders Worldwide
Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio
Associação Americana de Suicidologia
Associação Canadense para a Prevenção do Suicídio
Telefono amigo-Italia
Voz de apoio - Portugal
Telefone de Esperança - Portugal
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