Madonna e carne de porco.

Madonna e carne de porco.
(Fabio Teixeira)


Acho que a vida cotidiana devia ser acompanhada de uma trilha sonora, como num filme. Hoje foi assim, Madonna me acompanhou quando fui almoçar no restaurante. Começo com “Holiday”. Não que eu não saiba fazer comida, mas é que tenho muita preguiça. Preguiça de lavar vasilhas, de comprar coisas e colocar na geladeira. Ao abrir a geladeira, o que vejo remete-me ao pólo norte, branco, frio e vazio, mas procurando bem naquela solidão vejo umas maçãs vermelhas no fundo. Maçã sempre me dá mais fome. O Som está alto. Abaixo um pouco o volume do MP3, ajusto os incômodos fones de ouvido que apertam a cartilagem da orelha, pego uns trocados e saio, com chinelos, camiseta e nuvens escuras no céu. Danço um pouco de “Material Girl” enquanto os carros passam. Essa é a desvantagem de morar perto de tudo. Saio na rua e atravesso a avenida, lá está; sacolão, padaria, restaurante, pastelaria, locadora de vídeo. Apenas uns passos apressados e chego na preguiça capitalista. Lembro que tenho de procurar o filme “Eu sei que vou te amar”, do Arnaldo Jabor, mas passo na locadora depois do almoço pra não ter de carregar sacolinhas. Hoje o restaurante estava bem vazio. É daqueles tipos de restaurante de bairro, self-service sem balança, onde você acaba descobrindo que existem vizinhos que você nunca viu e que a comida que você faz em casa é super, mega, ultra higiênica. Toca “4 minutes” e me sirvo como de costume, cenoura, repolho, couve, tomates, chuchu, beterraba, arroz, feijão, farofa. Hoje não havia frutas e me irrito porque minha cartilagem dói. Troco de musica e acelero o MP3, escuto “Candy Shop” pela metade e subitamente peço á garçonete – Um bife de porco, por favor. Não sei bem porque fiz isso. Eu sempre peço bife de frango. Ela me olha e pisca varias vezes os olhos, como fazem as pessoas que estão com dúvida sobre o que escutaram. Naquela face pálida e olhos piscantes, “Like a virgin” começa e percebo que eu faço muitas coisas repetidas. Assumo, sou previsível. Então insisto no pedido. Sim, eu quero carne de porco e a falta de hábito me faz esquecer de dizer as palavras secretas num restaurante de bairro: “bem passado”. Sinto-me muito bem em pedir algo novo. Então lembro de “Material Girl” que escutei correndo pela rua para não ser atropelado e resolvo pedir um refrigerante menos capitalista. Uma Fanta. Mais uma vez olhos piscantes e face pálida. Será que ela sempre fez isso e eu nunca havia reparado? O dono do restaurante passa e grita alto se já estava pronto o bife de frango do rapaz, ele não havia escutado o meu pedido. Falo alto por causa do fone de ouvido - é de porco. Ele também tem olhos piscantes por uns cinco segundos. “Vogue”. Adoro essa música.. enquanto escuto Madonna observo que a garrafa da Fanta está com visual diferente e parece um vibrador que vi num sexshop. Cheia de curvas, alto-relevos, meio um corpo de mulher com algo sexualmente mneumônico. O bife de porco chega e atrapalha minha viagem erótica no meio do almoço. Me irrito de novo, não por causa da orelha doendo, nem por estar pensando em ergonomia sexual, mas porque vejo escrito na garrafa “um produto Coca-Cola”. Eu que queria um refrigerante menos capitalista me irrito com minha tolice. Olha para o bife que está por baixo de cebolas flutuando numa camada de óleo. Lembrei porque eu sempre pedia bife de frango. Eu fico com a face pálida e olhos piscantes, olhando para aquela poça. Então passo as músicas como um louco e escuto “Give it to me” e me arrisco. Retiro as cebolas e viro o bife no canto do prato pra escorrer um pouco. Até que está saboroso, e isso me faz recordar porque sempre almoço neste lugar, o tempero é ótimo. Continuo comendo até que começa “Frosen”. Tristeza, corvos pretos e arabesques no braço da cantora, que lindo. Percebo que engoli algo estranho e crú. Malditas palavras secretas. Se eu tivesse com a sacolinha da locadora cuspiria tudo dentro. Mas continuo com preguiça de pedir outra vez e passar pelo ritual das piscadelas então engulo tudo e removo a parte crua do resto, pensando em ovos de vermes na carne crua como se fossem o alto-relevo da garrafa de fanta ondulada. “Jump” acelera minhas mastigadas e termino tudo. Menos o pedaço com ovos de vermes. Levanto rápido, pago a conta no caixa, que cobra em voz alta - um almoço com bife de frango e refrigerante capitalista. Sinto que peguei o tique nervoso das piscadelas. “Like a prayer” e volto pra casa embaixo da chuva que resolve cair exatamente nessa hora.

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