Ensaio - A cidade invisível – primeiros passos
Ensaio - A cidade invisível – primeiros passos
Distraído atravessava uma rua pouco
movimentada quando percebi que meu braço havia sido tocado. Estranhei aquele ralado
que inesperadamente apareceu em meu cotovelo e olhando de lado a lado procurei
descobrir o autor de tal agressão. Ninguém vi ao redor além de um velhinha que
caminhava trôpega a alguns metros atrás, indo na direção contrária. Não poderia
ser ela, pensei, embora sentisse um impulso de culpa-la pela sua lentidão. Só
senti isso porque sei que meu humor não é dos melhores pelas manhãs, quando faz
frio e é final de mês. Enquanto aparava com mãos sujas as gotículas
sanguinolentas que brotavam dos poros esfolados, suspeitei da minha “distractibilidade”.
Ri um pouco de um provável neologismo
espontâneo enquanto arrisquei apertar um pouco os olhos mirando um muro que se
encontrava do outro lado da rua, onde sempre passo. Nunca havia notado que no
meio da modernidade das casas, prédios e lojas, aquela esquina era dotada de um
muro chapiscado de cimento. Foi de lá que vim e aqui parei sem ao menos notar
que deixei parte do meu corpo, com um pouco de drama, claro, percebi ter
deixado pedaços de mim, pele, células e sangue numa esquina antes invisível.
Fiz questão de retornar a passos rápidos pelo caminho de retorno, esquecendo
dos compromissos adiante, acelerando para ultrapassar a velha que insistia em
andar diagonalmente em meu caminho. Tem gente com essa mania de andar fazendo
diagonais, parece que um magnetismo puxa seus passos para o lado e não
conseguem fazer uma linha reta enquanto espremem as pessoas contra a parede. Chegando
à parede fiquei estático observando. Imaginava uma camada de sangue espalhada na
parede com pedaços de corpos dependurados no chapisco, mas nada, apenas aquele
cimento cinza. Acho que estou vendo filmes demais e estas imagens hollywoodianas
as vezes aparecem em minha tela mental. Muro insignificante, pensei despeitado,
mas aquele ardido me obrigou a pensar na insignificância da minha presença para
o muro, que deu-me um esbarrão e ficou ali como se nada tivesse ocorrido. Somos
invisíveis um ao outro. Se não houvesse tal sangramento não teríamos nos
notado. Eu e a cidade estamos desconectados em corpos, massas e em nossas
individualidades A diferença talvez seja apenas de mobilidade, porque tenho
duas pernas a mais que um muro qualquer. Pensei em quantos muros ainda não
esbarrei e se eles sentiam falta desse contato. Aquela fissura rubra me tornou
um pouco mais vivo, talvez, lembrando que nunca havia notado o formato daquele
osso ralado na dobra do braço. Dói um pouco fazer contato, conclui, sabiamente.
Principalmente se não é um contato e sim um esbarrão acidental por “distractibilidade”
com o mundo que nos cerca.
Fabio Teixeira
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