Salas Ocultas No Coração
O coração tem aproximadamente 400g e é dividido em duas
metades, cada uma contendo duas câmaras, separadas por duas válvulas e está
localizado no meio do peito. Não exatamente no meio, porque está ligeiramente
deslocado para a esquerda.
No entanto, existem outras partes
deste órgão que não são visíveis ao olho nu. Não são visíveis em raio x e nem
por microscopia. Dizem, não oficialmente, que quando o homem pensa, os
pensamentos passam por dentro do coração, através destas salas invisíveis.
Numa dessas salas está um espaço
para sentir angústia. É uma sala pequenina, mas tão pequenina que se assemelha
a um buraco negro de tal densidade que parece sugar tudo pra dentro dela. É por
isso que quando os pensamentos das pessoas se aproximam da sala da angústia sente
um aperto no peito. Um aperto físico mesmo, como uma dor que faz colocar a mão
no meio do osso esterno e chorar.
Outra câmara está relacionada com
a ansiedade. Parece que dentro dela toca uma escola de samba. É até divertida
no início, mas depois causa muito sofrimento. Do lado de fora da porta já dá
pra sentir a batida rápida dos tambores.
É como se cada sentimento,
emoção, memória, fosse ocupando um pedaço, uma área. Estas salas se encaixam
umas nas outras através de sutis articulações móveis, sensíveis ao movimento do
músculo cardíaco. Isso causa o deslocamento das salas enquanto o coração bate,
fazendo com que elas alternem de lugar. Tem horas que a raiva está na parte de
cima e o medo está embaixo e assim acontece com todas as outras.
Todo esse movimento causa um
efeito que chega a ser engraçado nos seres humanos, porque eles enviam seus
pensamentos insistentemente para os mesmo lugares onde encontraram alguma coisa
que queriam, sem saber que estas emoções mudam de lugar o tempo todo. Acho que
por isso se sentem insatisfeitos, frustrados e incompletos.
Mas, existe uma sala que me
intriga. É uma sala onde as palavras são proibidas. E parece haver várias
destas salas espalhadas por entre as outras. Não dá pra descrever o que tem lá
dentro, porque não há palavras, simplesmente não há nada que forme algo que
possa ser explicado.
O pensamento é composto de
palavras. Pense bem, você não consegue pensar em coisas que desconhece, que não
tem nome.Tudo em sua cabeça tem nome, seja cor ou forma e até as emoções tem
nome, tristeza, alegria. Você pode até juntar palavras antigas e formar novas,
mas pense uma palavra nova, uma palavra composta de letras que nunca foram
pronunciadas. Não é difícil? E mesmo que consiga criar novas letras, estas
estão proibidas de entrar nesta área do coração. Qualquer pensamento que passa
por lá fica confuso, sentindo-se estranho e perdido. Como se os pensamentos
perdessem a referência do que são e de onde vieram.
Coincidentemente nunca encontrei
a sala onde fica o amor. E olha que já revirei o coração de cabeça pra baixo em
terapia e meditação. Mas eu sei que ele existe, eu já senti. Na verdade, com um
pouco de vergonha, não sei bem porque meus pensamentos devem estar passando
agora dentro desta sala enquanto escrevo, eu assumo que sinto. Eu sinto amor.
Fico imaginando que a sala do amor é invisível até para o invisível e não possa
ser achada com facilidade. Ou que não existe, mas sempre que penso isso parece
que entro na sala da angústia e o peito dói um pouco.
Mas um dia, notei que quando eu
olhava para você, direto em seus olhos, eu me senti totalmente desprovido de
letras, palavras, frases. Só havia naquele momento, aquilo. Vou chamar de
aquilo só para dar um nome. Neste dia, aliás, em vários dias que te olhei, eu
me senti dentro das salas onde as palavras são proibidas. E também nesses dias
me senti muito apaixonado. Eu poderia concluir com um silogismo forçado ou uma
explicação racional associando estas informações como fazem nos livros de
auto-ajuda das lojas americanas, mas não. Não vou fazer isso.
Decidi não fazer isso com minhas
salas proibidas. Elas são proibidas por algum motivo muito especial,
indescritível, inenarrável, inconcebível à razão.
Arrisco apenas dizer que o amor
necessita desse mistério, dessa invisibilidade. Decididamente aquilo que sinto
não precisa de palavras ou explicações para ser sentido.
Preciso apenas dos seus olhos pra
entrar neste recinto.
Fabio Teixeira
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