Sem Lugar - Grupo de dança Primeiro Ato

Foto: Marcelo Coelho




SEM LUGAR

Grupo de dança Primeiro Ato.
 
Quero elaborar algumas impressões que tive sobre o que senti, vi e ouvi.

Foi uma linda homenagem do grupo Primeiro Ato a Carlos Drummond de Andrade, num espetáculo inspirado em suas obras. Foram muitas e belas imagens poéticas se concretizando nos corpos dançantes e também falantes.  Não separar a palavra falada para a palavra dançada me atrai muito e acho que abre perspectivas de conexão de formas artísticas. Teatro e dança, corpo e voz, poesia e música. Creio estarem conectadas de formas interdependentes e inseparáveis em sua essência.

Um cenário simples e preciso. Uma parede, pedras, areia.  Em cada parte do palco se formavam com dança imagens que se compunham em forma de quadros. Imagino que cada quadro enredava um pouco mais as obras de Drummond de forma mnêmica e definitivamente não óbvia, o que me fez gostar mais ainda da proposta. Por vezes certos passos de dança ou aspectos musicais faziam referência mais clara à poesia, mas de uma forma sutil e delicada.

O que dizer das pedras no caminho dos bailarinos? Essa idéia ficou latente por algumas horas após o espetáculo, porque sempre achei as pedras parecidas com algo sofrível na experiência humana: não ter mobilidade própria, não se mexer, estar congelado num tempo, experiência ou situação. Estar congelado na vida. Acho essa uma das piores formas de sofrer.

Os bailarinos deram movimento para estas criaturas latentes. É isso, as pedras são criaturas latentes. Como na instalação que estava na entrada do teatro, onde um bailarino recluso numa caixa de metal podia ser visto pelos pequenos orifícios,  acredito as pedras tem dentro de si esta latência, este ser dançante que quer sair, mas a rigidez petrificada impede este movimento. Assim como as “pessoas-petrificadas”, ou as pessoas que tem pedras no coração.

Os artistas dançaram sobre as pedras, andaram ao redor, se equilibraram e desequilibraram sobre as pedras, deitaram, comeram e cuspiram pedras. Afinal a mobilidade e a imobilidade são aspectos complementares e devem coexistir.

Estar “sem lugar” a princípio parece ser uma coisa ruim. Sem lugar remete-me imediatamente a sensação do incômodo de não pertencer ao lugar que está. De querer ir para casa, sem saber onde é que fica. No meio do palco havia uma pedra parada, imóvel, estática.

Com tanto movimento ao seu redor, aquela pedra estava sem lugar. Eu disse que a princípio isso era ruim, porque esse incômodo lítico é que cria o movimento. Essa sensação de não ser só isso, não ser só assim, de não aceitar o fim é que um dia rompe a dureza e nos coloca em outros lugares. Pra isso existe o movimento, para isso existe a dança.

Esse foi apenas um recorte das experiências que o grupo primeiro ato me trouxeram, mais uma vez com um belo espetáculo. 

Movendo as pedras dentro de mim com a força da poesia dançante.

Fabio Teixeira



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FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Direção Artística: Suely Machado - Concepção e Coreografia: Tuca Pinheiro - Pesquisa Coreográfica: Grupo de Dança Primeiro Ato - Cenário e Figurino: Marco Paulo Rolla  - Projeto de Luz: Jorginho De Carvalho  - Composição e direção da trilha sonora: Kiko Klaus  - Fotos: Marcelo Coelho e Nélio Rodrigues  - Bailarinos: Alex Dias, Marcela Rosa, Danny Maia, Lucas Resende, Pablo Ramon, Verbena Cartaxo, Verônica Santos, Ana Virginia Guimarães, Jonatas Raine.  - Assistente de direção: Marcela Rosa  - Maitre de ballet: Bettina Bellomo  - Assistente de iluminação: Elias do Carmo  - Produção: Regina Moura - Técnico e operador de luz: Elias do Carmo/ Alon Caetano  - Cenotécnica Roberto Duque  - Técnico de som e operador de som: Fabrício Galvani


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